Mesmo vivendo epidemia com o maior número de casos da história, país vê vacina encalhar nos postos de saúde. Mesmo com a vacina, é muito importante seguir no combate ao mosquito.
O Brasil enfrenta a maior epidemia de dengue da história. De acordo com o Ministério da Saúde, o país já ultrapassa os 2 milhões de casos, maior número desde que a pasta começou a contabilizar esse tipo de dado, em 2000. No total, são 758 mortes confirmadas em decorrência da doença, enquanto outros 1.252 óbitos estão sob investigação.
No entanto, mesmo com a explosão de casos, a vacinação, que já está disponível nos postos de saúde em cidades onde o risco é considerado maior, anda a passos lentos. Até o dia 22 de março, 1.235.236 doses haviam sido distribuídas, mas apenas 532.723 haviam sido aplicadas pelo SUS, ou seja, somente 43,1% do total.
Embora, segundo especialistas, o melhor jeito de prevenir a doença ainda seja combatendo o mosquito transmissor, o Aedes aegypti, a vacina é uma grande aliada contra a dengue. Atualmente, ela está sendo aplicada em crianças e adolescentes de 10 a 14 anos de municípios com alta transmissão nos últimos dez anos e população residente igual ou maior a 100 mil habitantes.
Essa faixa etária foi considerada prioritária pelo governo por conta do número de hospitalizações por dengue, ficando atrás apenas dos idosos, grupo para o qual a vacina não foi liberada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Por isso, é muito importante que os pais levem seus filhos para se vacinarem.
No entanto, uma onda de desinformação promovida nos últimos anos, sobretudo durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, aliada há anos de convivência com o vírus sazonal e à falta de uma campanha articulada do atual governo federal, têm favorecido à baixa adesão à imunização.
Baixa percepção de risco
Para Fredi Quijano, epidemiologista e pesquisador da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), esse fenômeno se explica, em parte, pela baixa percepção de risco que a doença tem.
“Geralmente as pessoas têm mais tendência a aderir [a uma vacina] quando tiveram um caso próximo. Um parente, um familiar ou mesmo quando a própria pessoa sofreu pela doença”, detalha Quijano.
O fato de a dengue estar sempre presente por ser sazonal e endêmica, isto é, acontecer em períodos e regiões específicas com certa frequência, também diminui a preocupação que determinada população tem em relação a ela.
“Para algumas doenças em que o risco percebido é muito alto, talvez não seja necessário tanto esforço para comunicar a disponibilidade da vacina. Como a dengue pode ser muitas vezes percebida pelas pessoas como uma doença relativamente de baixo perigo, pode ser que tenha sido subestimada, mas é uma doença que causa muita dor, cansaço e pode matar”, explica Quijano.
Falta de Informação
O epidemiologista também alerta para a falta de uma campanha articulada do governo federal para conscientizar as pessoas e fazer a vacina chegar em quem realmente precisa.
“Quando a gente coloca em termos relativos considerando a adesão, talvez poderia estar se fazendo mais. Muita gente não toma a vacina porque não tem conhecimento da existência dela. Também é bem importante que o pessoal da saúde que atende as pessoas por diversas causas informe o paciente da disponibilidade de vacina, aproveitando todos os contatos com o sistema de saúde para promover a vacinação”, complementa Quijano.
Já para Jandira Lemos, presidente da regional de Minas Gerais da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm-MG), a campanha mais enxuta foi uma estratégia por conta do número reduzido de doses, distribuído apenas para poucos municípios com maior incidência da doença.
“Não tem uma divulgação ampla, como são as campanhas normais, porque ela não está ocorrendo em todos os municípios, aí você alarma a população e não consegue ofertar a vacina para todos”, argumenta Lemos.
Negacionismo
No entanto, para a presidente da SBIm em Minas Gerais, o estado mais afetado pela epidemia de dengue, a desinformação é a principal causa da baixa adesão. “O maior problema são os sites que publicam informações que não são verídicas. Essa desinformação acaba deixando muitas pessoas preocupadas, sem saber o que fazer”.
Atualmente, a vacina distribuída pelo SUS é a Qdenga, do laboratório japonês Takeda, aplicada em duas doses, com um intervalo de três meses entre elas. O imunizante é novo no mercado e passou a ser administrado a partir desse ano no Brasil, o primeiro país a incorporá-lo ao calendário nacional de vacinação.
“O fato de a vacina ser nova também mexe muito com as pessoas. Mas a Takeda já vem com essa vacina há muito tempo, o estudo foi feito, é uma vacina aprovada. Nenhuma vacina chega na unidade de saúde para ser aplicada se ela não foi aprovada pela Anvisa e se não passou por um rigoroso controle de qualidade”, reforça Lemos.
“A gente passou por um período político recente, em relação ao último governo federal, de negacionismo. Era uma política de governo negar a vacinação e não valorizar o programa de imunização”, explica Mariângela Resende, médica infectologista e professora de infectologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Segundo Resende, os impactos da politização da vacina contra covid-19 e da pandemia de modo geral podem ser sentidos até hoje, inclusive em imunizantes presentes no calendário vacinal há muito tempo, como a BCG, para tuberculose, aplicada logo após o nascimento.
“O programa de vacinação brasileiro é referência no mundo inteiro e ele foi completamente desorganizado durante o último governo federal. Esse programa funcionava de uma forma federativa e isso foi quebrado, porque os estados e os municípios passaram a desenvolver ações isoladas. Ele foi desconstruído na sua estrutura e na forma de informação e negacionismo, mas está sendo reconstruído nesse momento”, ressalta a infectologista.
Para conter os prejuízos dessa onda de desinformação, Lemos enfatiza a importância de falar sobre a vacina e desmentir os boatos que surgem com a vacinação.
“O que nós temos feito nas unidades básicas de saúde é explicar isso para a população. A vacina é segura, ela teve uma aprovação e está sendo hoje direcionada ao grupo populacional onde houve o maior número de internações e risco de contrair a doença”, destaca Lemos.
As mudanças climáticas em favor do mosquito
De acordo com a Fiocruz Minas, a dengue no Brasil apresenta ciclos endêmicos e epidêmicos, com epidemias mais explosivas ocorrendo a cada quatro ou cinco anos. Desde a introdução do vírus no país, em 1981, mais de sete milhões de casos já foram notificados oficialmente.
Mas nos últimos dez anos, têm-se observado uma mudança nesse padrão que, além do elevado número de casos, diz respeito também ao aumento da gravidade da doença e de hospitalizações.
As mudanças climáticas podem ajudar a explicar isso: com o aumento da temperatura global, propicia-se um ambiente mais favorável à proliferação do mosquito.
“Algumas regiões que não tinham a presença do vetor porque eram frias, o clima era frio, acabam tendo condições para uma infestação”, explica Fredi Quijano.
“É o cenário perfeito para que existam essas epidemias”, diz Resende. “O aquecimento global e a mudança nos padrões pluviométricos criam condições favoráveis para a replicação do vetor, que depende muito da temperatura e do nível de chuva”, complementa.
Vacina: proteção para o futuro
A vacina funciona como um pilar essencial no combate à dengue, já que protege e impede que a transmissão da doença aconteça, o que a torna uma ferramenta importante não só para essa epidemia, mas sobretudo para as próximas que virão.
“É uma vacina importante, foi importante a incorporação [no SUS] pra gente entender como ela vai funcionar nesse grupo, principalmente para os sorotipos que estão circulando”, ressalta Resende.
Como o imunizante deve ser administrado em um intervalo de três meses entre as doses e ainda somente para uma faixa etária específica, ele é pensado como uma proteção para mais adiante. Por isso, destacam os especialistas, é muito necessário seguir firme também no combate à doença, impedindo que o mosquito se prolifere.
“É importante manter essa atividade de controle do mosquito, conscientizando a população para eliminar criadouros, além de seguir promovendo a vacinação, comunicando a disponibilidade das vacinas e salientando a necessidade e o benefício dessas vacinas. Tudo isso tem que fazer parte de um programa continuado de controle”, reforça Quijano.
“A vacina é uma proteção para futuras epidemias, para um momento futuro da nossa população. A vacina é o nosso futuro para o controle das epidemias de dengue”, explica Lemos. “Os pais precisam tomar consciência de que a vacina está sendo disponibilizada de graça para seus filhos de 10 a 14 anos. E a sua forma de fazer o bem para o seu filho, mostrar o amor que você tem por ele, é vacinando contra a dengue. A dengue pode ser grave, levar a óbito e até mesmo deixar muitas sequelas”, complementa.
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